Sistema
de rega a partir da barragem do caia, desde 1967
História contada por um Cantoneiro de Rega da Barragem do
Caia, Manuel do Nó, com 47 anos de serviço, quase tantos anos como o sistema de
ragadio do Caia.
Manuel do Nó e o Bairro da Misericórdia de Campo Maior
onde arranjou casa em 1966
Manuel do “Nó”,nome
porque é conhecido, por trabalhar no local onde o canal se divide na direcção
de Elvas e Caia. Homem com uma história de vida atribulada que vale a pena
contar. Nasceu em Junho de 1936 na Esperança, Arronches, casou em 1960 com Jacinta
Marques Mateus, indo de imediato trabalhar para o agricultor Elias Palmeiro, no
monte da Chainça, Esperança, como hortelão. Tinha casa na horta, onde passou a
morar com a esposa. Contudo o acordo de trabalho era só para ele; tinha uma
folga de 15 em 15 dias. O horário de trabalho era de sol a sol ou quando o
serviço estivesse concluido.
Algumas das suas tarefas:
-tratar da horta ao longo do ano para abastecimento do
monte
-amassar o pão e cozer 1 a 2 vezes por semana
-ir de bicicleta à Esperança buscar o correio e
encomendas do monte
-semear
o essêncial: batata, feijão, grão, couves e outros vegetais. Tratar dum pomar
de laranjeiras.
Na apanha da azeitona ao fim de cada dia, controlar o peso de azeitona apanhada
por cada grupo( 3 ou 4pessoas por grupo) que rondava entre 200Kg e 300Kg/dia. A
apanha era paga ao Kg. Depois de pesada ia para as carroças, e no dia seguinte
cedo os carreiros levavam os carros carregados de azeitona para os lagares da
Esperança.
A esposa entrava depois nos
trabalhos à jorna das campanhas: apanha de azeitona, bolota e na ceifa.
O Monte da Chainça do Sr.
Elias Palmeiro, era considerado dum pequeno lavrador, tinha fixos, ao longo do ano, cerca de 12homens nos
serviços agricolas do monte: limpeza de oliveiras e sobreiros; lavrar e semear
o trigo com 3 parelhas; etc. Estes trabalhadores folgavam todos os Domingos,
mas ficando de plantão/prevenção. Havia ainda o hortelão, porqueiro e o pastor.
No verão fazia-se ainda a limpeza do trigo, aveia e grão de bico nas eiras, os
carreiros levavam o cereal para as eiras onde era pisado pelos bois e malhado
pelos homens, descascando o mesmo (debulha). Nos dias de vento limpava-se por
padejamento.
Na casa do monte havia ainda
as criadas da roupa e as da cozinha.
Nos montes grandes havia:
ferrador, carpinteiro e vaqueiros.
Casa da horta,
recriação da descrição verbal, tinha 2 divisões, quarto e cozinha mais anexo
para ferramentas e perto o poço e a nora mais o tanque. A iluminação seria de
candeeiro a petróleo.
Como chegou a
cantoneiro de rega - Trabalhava
para um agricultor, no monte da Chainça e pensou em tentar melhor vida. Um Domingo próximo da Páscoa de 1966, meteu-se
na Carreira em Revelhos, a medo, “sem o patrão saber nem os colegas” e
foi a Campo Maior. Saíu no jardim, foi a casa dum conhecido onde pernoitou. Soube
da construção dum Bairro para Pobres, da Misericordia e Dr Tello Gama, e
conseguiu arranjar uma casa. Voltou à Esperança para informar o patrão que
vinha embora, ao que este lhe respondeu -“vais para a terra dos ricos, Campo Maior”!
A aventura de levar as suas coisas da
casa da horta para o Bºda Misericordia- Arranjou uma camioneta, carregou-a com os seus haveres e partiu. Como
tinha chovido muito no dia anterior, atascou-se logo na lama, com o semi-eixo
partido. O Manuel foi a pé ao monte que
ficava a 2Km da horta, pedir ajuda ao Elias Palmeiro, “ que foi um homem
fora de série”. Levou-os a Campo Maior. No dia seguinte foi buscá-los e
foram ao Crato comprar a peça e mete-la. Chegou a casa em Campo Maior, no
domingo de Páscoa, à tarde.Lembra-se impressionado de como os vizinhos
em meia hora descarregaram o carro, e mais,- deram-lhe de jantar.
O vizinho Ilidio que andava
na construção da fábrica do tomate, próximo da fronteira do Caia, arranjou-lhe
trabalho na construção nos muros da cerca. Logo de seguida a fábrica começou a
laborar com o tomate e ele ficou lá a trabalhar. Ainda conseguiu trabalho para
a mulher,na mesma.
A campanha do tomate acabou
em Outubro e tiveram que saír. Foram então para a apanha da azeitona no Maneca
Cabeçana até Janeiro do ano seguinte.
O Manuel foi depois trabalhar
para o agricultor Manuel do Carmo na Madrugueira, Godinha e ficou lá cerca de
dois anos, até às Festas do Povo de Campo Maior de 1969. Esse ano foi mau, o
agricultor era pobre; faltava 1 mês para o fim do contrato, mas o tempo tinha
estragado tudo. O Manuel recusou
receber esse mês de ordenado e arranjou trabalho na fábrica do tomate no
Caia. Esta acabou por fechar em fins de Agosto de 1969.
Sabia do início do projecto
da rega do Caia e foi falar com o agricultor Manuel do Carmo que era fiscal da
Associação de Regantes, este falou com o chefe Ferreira que admitiu o Manuel para a casota do NÓ em Setembro de 1969, tendo lá
morado até 2015. Sabia que ia ganhar pouco, mas era certo. Esta vaga, aconteceu,
devido a um acidente com o colega anterior.Tinha caído no canal e depois foi
para Elvas.
Projecto estruturante da região de Elvas
e Campo Maior; de 1958.
A Barragem do Caía começou
a ser construida em 1963 e concluída em 1967 em conjunto com os canais.
Neste ano fez-se o teste de rega e fez-se os ajustes;
barragem-canais-comportas.
O plano de rega do Alentejo
integra-se numa grande planificação, para o desenvolvimento económico da
região. À esquerda a 1ªfase com 25.000HA aprovado em 1958. A barragem do Caia
começou em 1963.
A associação foi do estado até Março de 1969- Tinha começado a campanha de experiência em 1967.
Depois o estado passou a associação para a :
“Associação de Beneficiários
do Caia” composta pelos agricultores da região passando estes a fazer a exploração
do sistema de rega do Caia.
O canal fecha 3 meses, Dezembro, Janeiro e Fevereiro.
Dezembro, é o mês de férias do pessoal.
Janeiro e Fevereiro, são meses de manutenção e
conservação de:grelhas, fechos, limpeza do canal e selar eventuais pontos de
fuga, corte da erva lateral, etc.
Nó- Local
onde o canal, vindo da barragem, se divide em duas direcções, Elvas e Godinha-
Caia. Tem automatismo de limpeza do canal, com programa de 20 em 20minutos,
retira 4x os limbos do canal, um em cada direção. Tem também um comando de
comporta para cada canal que é comandado dum centro de comando em Elvas, em
função da cota diária de água pedida, mais um valor para percas. O Manuel do Nó
morou na “ caseta” acima, junto ao Nò; de 1969 a 2015.
Estação elevatória a 300m do NÓ, alimentada a 30Kv, vigiada pelo Paulo; no canal da
Godinha, eleva a água até ao cimo do monte para esta direcção e o canal aqui
segue para a zona de fronteira do Caia.
Tomadas de Saída de água para os agricultores, tem um ajuste minimo de 5l e máximo de 200l, todos
os dias são controlados os pontos de rega.
São recebidos pela manhã os
pedidos de água, havendo depois uma reunião das 12-13H com o Eng que faz a soma
das necessidades de água e dá ordem à barragem para abrir + ou – água em função
da cota pedida mais as perdas do canal.
No início havia muitos pontos
a controlar, e atualmente as propriedades são maiores diminuindo os pontos e
facilitando o trabalho aos cantoneiros de rega.
Canal da
Godinha/Caia, abertura de 5l água numa comporta de 50l, ficando aberta até de
manhã.
Associação de Beneficiários do Caia Barragem do Caia em 16/8/2016
Objectivos de 1958 bem atuais.
Fábrica do Tomate do Caia, já falida. Contudo temos em Portugal bom
tomate e industria transformadora do melhor do mundo, por exemplo em Àguas de
Moura.
A barragem do caia tem
aproveitamento hidroeléctrico desde 1992 com um gerador de 670KW. A Associação
de Beneficiários do Caia com o apoio da CE forrou o canal a tela e instalou
alguns automatismos como o limpa grelhas.
A barragem além do regadio, fornece
atualmente água a 4 conselhos; C.Maior, Elvas, Arronches e Monforte.
Termino com o Manuel do Nó e
o Eliziário no Jardim de Campo Maior, velhos amigos.
Fontes:
*livro do Plano de Rega do
Alentejo de 1965, Ministério das Obras Públicas, Serviços Hidráulicos.
*Manuel do Nó
*João Porto