segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Taberna do Ti Bento



            Taberna do Ti Bento de 1931-1982, Cabeça das Mós, Sardoal
                                              

            Iniciou a taberna na Rua do Colmeal junto à curva da mina e morava perto com mais 2 irmãos, a Amélia e o Miguel “coxo”, todos solteiros, mesmo em frente ao sapateiro João Santos. Era uma comunidade interessante, o Ti Bento era taberneiro, a Amélia orientava a casa e a horta na “escorrega” com levada de água da ribeira na Arcêz e o Miguel “coxo” andava com uma bengala a guardar um rebanho. Trazia sempre uma enxada para limpar as valas dos caminhos ou “boeiros”, tipo cantoneiro.
            Para início de actividade pediu um alvará à Câmara Municipal de Sardoal em 1931, que fui encontrar no “site” www.sardoalmemoria.net :

ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DO CONCELHO DE SARDOAL 1930/1940
Extracto da Acta da Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Sardoal, de 19 de Fevereiro de 1931.
ALVARÁS SANITÁRIOS: Foram lidos os seguintes requerimentos, pedindo alvará sanitário nos termos da Portaria nº 6065, de 3 de Março de 1929: ............................. De António da Cunha Júnior, para sua taberna na povoação de Cabeça das Mós. De Bento Pimenta, idem, idem. De Manuel Pimenta, idem, idem. De Joaquim Mestre, para sua taberna, sita na povoação de Andreus. De Joaquim Luís Salgueiro, idem, na mesma povoação. De Miguel Lobato Correia, idem, idem. De Rodrigo Alves Milho, idem, idem.Ao todo 41 requerimentos.

            A taberna no R/C tinha o balcão e fazia armazém no 1ºandar, onde se ia buscar e medir o petróleo, que estava num bidão com torneira. Quando ele fazia o enchimento do bidão ou mexia em petróleo havia sempre um cheiro intenso na taberna.
            No R/C tinha também um móvel de madeira com separadores para produtos como:   Açúcar, massa, farinha, sal, etc . Vendia-se tudo avulso em pacotes de papel pardo e as medições eram em feitas em lata; havia uma balança de pratos com os pesos.
Vendia também fósforos, tabaco, marcas kentuke, definitivos e de onça. Vendia rebuçados a meio tostão, que guardava num frasco grande e de tempos a tempos, dava um rebuçado aos miúdos, que iam fazer os recados às mães.
           
Testemunhos de situações com o Ti Bento:
            O Armando Arrais uma vez nos anos 1960, foi lá comprar tabaco de onça para fazer cigarros, dizendo que era para o pai. Começou a fumar em casa e a mãe desconfiada chamou-o e ele só teve tempo de esconder o cigarro mandando-o para um palheiro. Dali a instantes pegou fogo numa saca de serapilheira e ainda apanhou por isso.
            O Adelino Lopes certa vez nos anos 1960, já “espigadote” queria comprar um canivete, como era uso dos homens e foi ao Ti Bento. Disse-lhe que só tinha 2$50, mas o canivete custava 2$70, logo o Ti Bento não foi na cantiga e o Adelino teve que dar os 2$70.
            O João do café, na década de 1950, era ele que quando ia levar encomendas destinadas a Lisboa, ao comboio a Alferrarede com uma carroça. Na volta trazia os barris de vinho e outros produtos para as tabernas, mas tinha o hábito no regresso de comer uma “bucha” e levava uma palhinha que enfiava nos barris para beber vinho. Dos taberneiros só o Ti Bento inquiriu o João porque é que os barris não vinham cheios, o pobre do João lá se desculpou que a madeira também ensopava o vinho, mas o Ti Bento ficou desconfiado, era muito rigoroso nas coisas.
            O Mário Nunes Melo, da R. Casas Crespas, soube durante os anos 70 que o Ti Bento vendera a antiga casa na R. do Colmeal e foi mais o sogro falar ao Ti Bento o porquê de não ter dito nada. O Ti Bento respondeu “QUE NÃO DEVIA A CABEÇA”.  


Por volta de 1969, mudou a taberna para a Rua 25 Abril Nº8 (designação actual) num terreno dele perto da taberna inicial . Onde funcionou até ao ano da morte do Ti Bento em 1982, já com 84anos, ele tinha nascido em 1898 no século XIX.
            O José Lopes, em  1972, andou a trabalhar na construção duma casa próxima à taberna nova e observou o ritual diário: de manhã os homens chegavam e iam ao copito de aguardente com um figo seco, ao almoço ia-se lá beber mais um copito de vinho, ao “despegar” às 17H (o dia de trabalho já era as 8H) iam conviver bebendo entre copos de vinho e cerveja com uns tremoços a acompanhar; alguns ficavam até às 22H, quando fechava a taberna.
            Medida dos copos de vinho: copo de 2, de 3 e de metade ou palmo.
            Cerveja: superbock, sagres média, cuca e tuborg.
            Sumol de “ananol” e gasosas.

            O Ti Bento era muito religioso, quando estava sem clientes aproveitava para rezar o “Terço” e de manhã ia muitas vezes ao Sardoal à missa, ficando a irmã Amélia na taberna.

           
            Deixo em termos de fecho, uma conversa gravada pelo António “Francês” com o Ti Bento, relativa a pagamentos de empréstimos e uma critica aos esgotos que estavam a ser instalados e não serviam para nada, isto no ano de 1982, o Ti Bento já estava doente. Saliento a voz muito castiça e reflecte a mentalidade de vida muito difícil; de nunca foi preciso e iria custar um dinheirão, e quem paga? Com a explicação paciente e possível do António “Francês” !
            Os tempos de certeza austeros que ele viveu, quando não havia dinheiro, muitas vezes faziam-se trocas de serviços entre vizinhos da aldeia.



                                                                                              

Fontes: Armando Arrais, Adelino Lopes, João do café, José Lopes, António Francês, Maria do Céu, Irene, Mário Nunes e  Joaquina de Jesus e o site “Sardoal Memória”.